A  RAPOSA E A TOUPEIRA


                A RAPOSA E A TOUPEIRA eram comadres no roubo. E combinaram assim: uma roubava galinhas, a outra roubava fuba que tirava do terreiro onde as mulheres a pisavam.

          Um dia, voltavam de ter roubado (depois de fazer o funge e arranjar a galinha) quando a toupeira lembrou:
-       E se antes de comer, fossemos tomar banho no rio?
-       Com este calor agora... acho bem.
           Sairam, foram então. A toupeira mergulhou. E como tinha um buraco mesmo debaixo da água - mteu-se por ele fora, foi andando, foi passando, e logo chegou a casa. Foi-se à galinha e ao fungi , e mastiga que mastiga não deixou nem uma  amostra.
E regressou numa pressa. Saíu da água e gritou:
-       Já tomei banho, comadre. Podemo-nos ir embora.
Assim chegaram a casa, e a raposa, coitada, de comida só viu ossos.
-       Quem é que terá roubado a galinha que fizemos?
-       Como é que queres tu que eu saiba, se estive sempre contigo?
E ao outro dia na mesma: foi a raposa às galinhas e foi a toupeira à fuba. Bateram o fungi, apuraram o molho - estava a galinha cheirando um apetite daqueles, quando a malandra lembrou:
-       Vamos lavar-nos ao rio?
-       Como não?! "Gente que é educada, deve comer bem lavada".

           Saíram e chegaram. A toupeira mergulhou, entrou pelo buraco e                         saiu junto da casa. E, na galinha e no fungi (morde que morde e mastiga) comeu o almoço todo. Regressou, saiu da água, e gritou à companheira:
-       Já tomei banho, comadre. Podemo-nos ir embora.
E a mesma cena de ontem a repetir-se agorinha.
-       Quem terá sido o ladrão que nos comeu o que é nosso?
-       Como é que eu posso saber se estive sempre consigo?
E, a raposa, já com fome de doer, pensava: "não sei como esta comadre aguenta tanta fome! Eu por mim comia um galo inteirinho. Galo grande. Não pode ser um pinto ou uma galinha qualquer. Tenho fome que até dava p'ra matar um galinheiro".
Lá foi a raposa andando em busca da sua carne. E a toupeira, esquivando, para ir buscar a fuba. E tudo voltou igual...
-       Tomamos banho, comadre?
E a raposa hesitando:
-       Quem sabe se hoje o ladrão tem medo de vir aqui?
-       Realmente! Era de ser descarado vir roubar todos os dias.
-       Também só se adivinhasse que a gente hoje ia ao rio.
-       Pois é.
-       Só se estivesse a espreitar... A comadre viu alguém?
E a toupeira (com os olhos de inocente) mentirosa e fingidora:
-       Não vi, não.
-       Vamos então. Seria de muito azar que o ladrão regressasse.
E assim chegaram ao rio. A toupeira mergulhou, meteu-se pelo buraco, chegou a casa, comeu e voltou logo a correr.
-       Já tomei banho, comadre.
-       Vamos lá que estou com fome.
Corre que corre, a raposa e a toupeira - uma  cheínha de fome e a tal de papo cheio. Mais, outra vez o ladrão...
-       Quem terá sido o malvado?
-       Como quer então que eu saiba, se estive sempre consigo?
-       Amanhã saio mais tarde. Só saio ao meio-dia.
E a toupeira dizendo:
-       Tão tarde não posso. Ao meio-dia, estão as mulheres trabalhando. Tenho de ir para roubar, enquanto estão a dormir.
E foi. E a raposa ficou. Ficou - não é bem ficar, porque eu vi que ela saiu pelo caminho do rio. Meteu-se pela água fora, procurou e procurou até achar o buraco.
"Ora então, esta comadre, era assim que me enganava"?
E foi ver do outro lado, onde o buraco ia ter: pertinho mesmo da casa. Escondido, disfarçado, com um monte de capim.
"Ora então, a espertalhona !... Vais só ver como me pagas".
E montou uma armadilha.
           E mais chegou a toupeira com o seu saco de fuba. Chegou depois a raposa com o seu frango roubado. Acenderam fogo, cozeram, apuraram ...
-       Vamos tomar banho ao rio?
Falava agora a raposa, e a comadre, contente:
-       Vamos pois - estou tão suja. Acarretar com farinha, fica a gente toda porca.
Foram. Chegaram. Experimentaram a água: estava boa. Mergulharam. A toupeira, já se sabe: enfiou-se no buraco e quando estava a chegar ao outro lado, caiu na tal armadilha - presa e bem presa.
-       Socorro, comadre, acuda.
-       Ai é? Quem és tu? Não te conheço.
-       Eu sou a sua comadre.
-       Não pode ser, minha amiga. A minha própria comadre, está no rio a tomar banho.
-       É que eu vim a casa ver se encontrava o ladrão...
-       Porque é que não avisou, p'ra eu vir consigo junto?
-       Porque assim se houvesse azar (como este azar da armadilha) só ficava um azarado. O outro vinha ajudar.
-       Ai é?! "Você mete a mão no fungi e mete o fungi na boca - não é nada p'ra comer, mas para ver se ele está quente?".
-       É isso, comadre, é isso.
-       Pois é! Então adivinhe agora: "se dois cozinham e só um é que vigia, quem foi então que comeu?

Como é que a estória acabou, não sei. O que sei e me disseram é que a raposa e a toupeira nunca mais foram amigas. E depois do acontecido, com vergonha de lhe verem, vive a toupeira em buracos: escondida, bem no fundo, metida mesmo na terra.
        Vergonha e medo também que lhe apareça a raposa a perguntar  outra vez:  " se dois cozinham e só um é que vigia, quem foi então que comeu?".

                                                      DARIO  DE  MELO
                                                                  Adaptação
                                                       Tradicional Umbundo
                      JORNAL DE ANGOLA/Sup.318/24.ll.84
                      Editado no Livro  QUERES  OUVIR?