Um Homem - Uma Árvore

1 - O menino veio a correr e disse admirado:
- Avô, o nosso vizinho tem força! Nem meia hora levou a cortar a mangueira velha.
O avô sorriu:
- É ! ele deu cabo em meia hora, o que custou trinta anos para crescer.
O menino nunca tinha pensado. Para ele que tem só nove, trinta anos é muito.
- Então, avô - se eu planto uma árvore hoje, ela só vai estar grande quando eu tiver da idade do meu pai?
- Sim. A árvore demora a crescer, mas pode viver mais que o homem. Tem árvores, como o embondeiro, que vivem até três e quatro mil anos.

2 - E o avô continuou a falar:
Pensa só - se você vai na terra onde o Senhor Jesus nasceu, pode encontrar árvores que lhe viram passar há dois mil anos. Árvores do tempo de Jesus que ainda hoje estão em vida.
E o menino, a pensar com ele mesmo:
- Puxa avô! Gostava de ver uma árvore assim velha.
E o avô ensinando:
- E pode ver. Você também tem aqui na nossa terra árvores muito antigas: na embala do Bailundo você tem árvores que os nossos reis mandaram plantar. Na “Mulemba Xiangola”, em Luanda, se sentou ali o nosso rei Ngola Kiluange e a Rainha Ginga. No Cuanhama e noutros sítios, tem sempre uma árvore com história para contar...
E o menino admirado:
- Se as árvores não falam, como é que contam histórias, avô ?

3 - E o avô explicando:
 As árvores são igual com os livros. Para os livros falarem é preciso a gente saber ler. Para as árvores falarem é preciso que os mais-velhos lembrem as coisas acontecidas com elas.
 - E o avô sabe a história de uma árvore?
E o avô apontou e o menino viu: era um velho pau de abacate. Tão velho que quase não dava fruto. O menino riu com troça e perguntou:
- Aquela  árvore tem história?! Um pau seco que só serve para lenha. Melhor é cortar.
- Você tem razão, meu neto. Mas antes de lhe cortar, eu vou contar uma coisa. Quando  eu era mais miúdo que você, meu avô é que lhe plantou.

4 - O menino fiou admirado:
- O avô do avô, é meu quê na família?
- É bisavô do teu pai e é o teu trisavô...
- Xi!!! se espantou o menino.
- Pois então, o meu avô me chamou um dia e disse: “Meu neto, vamos plantar junto uma árvore para você lembrar de mim quando eu morrer”.
E plantámos a árvore e ela cresceu. Todos os meus anos que são oitenta, vinha aqui, apanhar a sua sombra, estimar o meu avô. Agora, quase não dá abacate, mas ainda dá sombra, ainda pára as poeiras e os ventos, ainda me lembra do meu mais-velho...Vamos cortar a árvore, meu neto?




5 - Ficaram os dois - avô e neto - sem dizer nada. Depois, o menino é que falou:
- Afinal, avô, não podemos cortar a árvore. Ela vai ficar ali até se falecer por ela própria. Vou lhe mostrar nos meus filhos. É a Árvore da Família. Vou lembrar do avô e daquele trisavô que lhe plantou.
- E vai dizer a eles que este  pau que você pode cortar em meia hora, até plantar, crescer, dar fruta, levou setenta anos a chegar aqui. Ninguém pode estragar aquilo que levou o tempo da tua vida para crescer.

6 - E o menino muito curioso:
- Quantas árvores o avô já plantou?
- Muitas. Na minha idade, não passou um só ano, sem plantar uma árvore. Por isso o pó e o vento não chegam aqui em nossa casa, por causa das árvores que eu lhe plantei à volta. Por isso a gente tem fruta. Por isso, a gente tem lenha.
- P’ra quê o avô plantou ontem uma árvore? Não lhe vai ver crescer...
- A gente não planta só para cada um. Os velhos plantam árvores e é para os filhos, para os netos, assim como fez o seu trisavô. Ele plantou para mim, para o seu pai, para você...Cada árvore que fica é uma lembrança para a família que há-de vir.

7 - Foram andando - o avô e o neto - para a tal de Árvore da Família. Sentaram. Se encostaram nela e gozaram o seu fresco. Disse o avô:
- Olhe, meu neto: tem gente que diz que um homem só é mesmo homem de verdade quando faz um filho ou planta uma árvore.
E o neto lembrando:
- Então é isso mesmo que os mais-velhos estão a falar: “Cada qual deve plantar a sua  árvore”...
- É isso mesmo! Por isso a gente fala assim - um homem, uma árvore.