COMO SE FAZ UM
TOLO
Ora vamos então ver que
estória vos vou contar ...
-
Agora que está calor (por favor), quero uma
estória de barcos e de mar.
-
Essa não! Se o problema é do tempo, vá à
praia. A gente espera um momento.
Saia, meu amigo, saia.
-
Isso rima com papaia.
-
Pois é - só que não serve p´ra se fazer uma estória ...
-
Quem disse então que não serve? Sei uma toda
de cor, de memória ... se queres escrever, escreve ...
-
És tolo!
-
Ai que bom! Rima com bolo.
-
Logo depois da
papaia, p´ra depois matar a fome,
comia (isso comia) um bolo,um bolão enorme.
-
Que parvo!
- Bolo-parvo
não conheço e olha que não esqueço o nome das doçarias...
-
Não é o bolo que é parvo - és tu.
-
Isso sim! Chamas-me parvo, enfim, mas se
houvesse aqui um bolo, comias ou não comias?
- Ora vamos lá então: que estória querem vocês que eu comece a contar?
-
Já disse que a do mar.
-
Eu prefiro a da papaia.
-
Tu aqui não contas nada. Quero uma estória
contada de um barco pequenininho que vá pelo mundo fora...
-
Ora, ora! Um barco assim tão pequeno, só se
for uma canoa.
-
Essa é boa! E canoa não é barco?
-
Pois é. Mas não consegue ir p´ra longe.
-
Se eu lhes puser um motor ...
-
Só um motor não lhe chega. Precisa ser barco
grande para aguentar as ondas do mar alto em que navega.
-
Ponho-lhe então umas asas e sigo nessa canoa
(olha só como ela voa! Que bom que é vê-la voar)! ...
- Mas ouçam lá! Digam só: que estórias querem vocês que eu comece a
contar?
-
Já disse: a da papaia.
-
Com papaia faz-se doce, ou come-se de
sobremesa... até há quem faça sumo, mas estórias (não sei como) ninguém as faz
com certeza .
-
Quem foi que te disse a ti?
-
Digo-te eu. A papaia que eu comi (já faz tempo, muito tempo)
-
Não digas nada, é melhor ... Comeste, nem
convidaste (grande traste)! ...
- Vamos então a saber : qual é a estória que querem que eu comece a
escrever?
-
Já disse e não volto atrás - a do mar.
-
Há-de ser e da papaia. Se ela é tão morreu.
-
Morreu como?
-
Aqui na minha barriga. Tão docinha! E eu, se queres que te
diga... boa assim, para se comer, tem de ser melhor até p´ra contar ...
-
Contarei: "Era uma vez, no alto da
papaeira, uma papaia que caiu no mar" ...
-
Caiu como? Nunca vai ! Papaia em quintal é longe do mar. Como é que
pode, a papaia, cair na arei da praia? Afinal !!!
-
Deixa ouvir. A estória mesmo, é que ela caíu
na água.
-
Caíu nada. Quem é que viu a papaia (que é
doce) ficar salgada?
-
Quem sabe se ela não era uma papaia
diferente: muito madura, amarela...
-
Mentira, camarada! Se era assim amarela é porque era um mamão que a papaia é
encarnada.
- Querem ouvir, ou não querem? Ou acabam de discutir, ou eu não conto
mais nada.
-
Está a ver? Este homem diz cada uma! ... Diz
que não conta mais nada e até agora (que eu saiba) não escreveu, nem contou,
p´ra gente estória nenhuma.
-
Não contou, estava a contar a da papaia
amarela.
-
Encarnada. EN-CAR-NA-DA.
- Mas afinal - são vocês que contam , ou sou eu que conto?
-
Pronto! Pronto! Não vale a pena zangar.
-
Conta sim. Foi para ouvir contar que eu vim.
-
Espera lá, mas eu disse ...
-
Que chatice! Não voltes a interromper.
-
Que foi mesmo o que disseste? CHATICE? Mas
isso é um palavrão que não se deve dizer.
-
Desculpa que foi sem querer.
-
Pois sim, estás desculpado. Agora fica
quieto, com atenção, bem calado... vamos ouvir a estória, ou se quiseres discutir, vai falar para outro lado.
-
Conta então, que já estou pronto.
-
Conta essa estória, esse conto, da papaia que
haveria ...
-
Contaria. Contaria, se ainda tivesse tempo
... Mas vocês tanto falaram, tanto e tanto discutiram que o tempo foi-se e,
passou. Acabou! Já lá foi a nossa hora e agora não posso escrever mais nada. A não ser .... uma
quadra.
UM
SÁBIO FAZ-SE A OUVIR
UM
HOMEM A TRABALHAR
UM
TOLO, A MANDAR VIR
A
DISCUTIR E A TEIMAR.
(KOTA KURIKA)
JORNAL DE ANGOLA / 272/l7.10.83